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Pro-Conformidade e a falta de reciprocidade do Fisco

A extinção de ministério não gera economia material para o ajuste fiscal. O custo do auxílio-moradia é insignificante se comparado com a rombo da Previdência do setor público. A cláusula de barreira progressiva adiará a conformação dos partidos políticos no Brasil. Tudo isso é verdade, mas, também é verdade que essas medidas são exemplos que a sociedade espera dos governantes. Afinal, o exemplo vem de cima. O mesmo se aplica na relação entre Fisco e contribuinte. Para exigir conformidade dos contribuintes, o Fisco deve buscar primeiro a sua própria conformidade.

A Receita Federal colocou em audiência pública minuta de ato que institui o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária (Pró-Conformidade). Trata-se de um exemplo concreto e contemporâneo do ensinamento do Evangelho que diz: “Ou, como podes dizer ao teu irmão: ‘Deixa-me tirar o cisco do teu olho’, quando tu mesmo tens uma trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu próprio olho, e então enxergarás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão” (Mateus 7, 4-5). A Receita tem que, primeiro, dar o exemplo de conformidade tributária.

A justificativa do Pró-Conformidade já inicia com uma inversão constitucional. O dever de cumprir as obrigações tributárias, portanto, o dever de o contribuinte recolher os tributos e entregar as informações à Receita, é tido como elemento que “compõe o princípio constitucional da moralidade”.

Acontece que, de acordo com a Constituição Federal, o princípio da moralidade aplica-se ao Poder Público: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (artigo 37). Do contribuinte, a Receita deve exigir o cumprimento dos estritos termos da lei – vamos voltar a esse ponto.

Além disso, a Receita afirma que “deixar de pagar tributo implica vantagem competitiva injusta”, o que pode ser verdade em alguns casos. No entanto, da mesma forma, é certo que a interpretação da legislação tributária e a atuação do Fisco pode inviabilizar a competição, uma vez que prejudica o desenvolvimento econômico do país.

Nesse sentido, por exemplo, há diversas normas relacionadas ao comércio exterior de modo a privilegiar a importação de produtos em detrimento da indústria local. E o dever de pagar os tributos deve estar em “consonância com a ordem tributária”, tal como a Receita entende essa ordem tributária, que pode não ser aquela querida pelo Poder Legislativo ou definida pelo Poder Judiciário.

Quanto ao programa em si, sua espinha dorsal é a classificação dos contribuintes “conforme o risco que representam” para a Receita. “Os contribuintes que oferecem menor risco terão benefícios. Aqueles que oferecem maior risco, por sua vez, estão sujeitos, de forma prioritária, aos rigores da lei”.

Há, assim, duas medidas flagrantemente inconstitucionais: a uma, afronta-se o princípio da igualdade, tanto geral (“todos são iguais perante a lei” – artigo 5°) quanto específico à matéria tributária (“é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente” – artigo 150, II). A outra, afronta-se o princípio da legalidade, uma vez que os “rigores da lei” recaem sobre todos os contribuintes, independentemente da sua classificação (a atividade da administração tributária é vinculada e obrigatória – artigo 142, parágrafo único do Código Tributário Nacional).

Some-se o fato de que os critérios dessa classificação são autoritários, porque dependem da atuação dos agentes fiscais, tais como: compatibilidade entre as informações das escriturações e da “confissão de dívida” entregue à Receita; resultados dos pedidos de restituição e das declarações de compensação; validações dos créditos tributários discutidos em juízo.

Esses e outros critérios são vinculados à decisão do agente fiscal que analisa os pedidos do contribuinte ou restringem o direito de o contribuinte se socorrer do Poder Judiciário. Dessa forma, essa dependência da “vontade” do agente fiscal pode, eventualmente, vir a incentivar a corrupção. Ao contrário do que prega a justificativa do programa, esses não são critérios objetivos.

Como exemplo derradeiro, tem-se que o Pró-Conforme investe os agentes fiscais de poderes de juiz. Isso porque a classificação do contribuinte é influenciada pela ocorrência de indícios caracterizadores de sonegação, crime contra a ordem tributária e crimes de apropriação indébita tributária. Ou seja, mesmo antes do constitucional devido processo legal.

A conformidade tributária poderia iniciar com as seguintes medidas: prazo de 90 dias para que a Receita regulamente as leis tributárias ou responda às consultas formuladas pelo contribuinte, estando impedida de lavrar auto de infração antes dessa regulamentação; aviso prévio para a regularidade fiscal ou explicação por parte do contribuinte, sem a aplicação de qualquer tipo de multa (algo parecido está no último artigo do Pró-Conformidade); celeridade nas decisões administrativas e respeito às decisões judiciais.

Enfim, para que se exija boa-fé e justa competitividade do contribuinte, é necessário que a Receita, antes, conceda a “presunção da inocência” ao contribuinte e permita que ele exerça a sua atividade de maneira adequada e em favor do desenvolvimento econômico do Brasil.

FONTE Valor Economico