Técnica de laboratório demitida por transfobia não consegue reverter justa causa
A decisão considera a gravidade da conduta e a violação aos deveres de respeito e dignidade no ambiente laboral
A 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) declarou a legalidade da dispensa por justa causa de uma técnica de laboratório demitida por cometer atos de transfobia contra um colega de trabalho.
Entenda o caso
Um trabalhador acionou a Justiça do Trabalho solicitando a reversão da dispensa por justa causa e o pagamento das verbas rescisórias previstas para os casos de demissão imotivada.
De acordo com o laboratório de análises clínicas, o consenso foi aplicado após uma auditoria interna identificar que ela se recusava a chamar o colega transgênero pelo nome social dele. A técnica utilizava expressões impróprias e preconceituosas, desrespeitando o código interno de conduta da empresa.
As práticas comunicadas foram reveladas por testemunhas, gerando constrangimento no ambiente de trabalho e levando à aplicação da deliberação máxima: demissão por justa causa.
Conduta discriminatória
Segundo a relatora, desembargadora Daniele Corrêa Santa Catarina, a recusa em utilizar o nome social constitui uma atitude discriminatória, que fere princípios fundamentais das relações de trabalho, como o respeito à dignidade e aos direitos da pessoa trabalhadora.
Para a magistrada, “a identidade de gênero está relacionada à forma como a pessoa se percebe e se expressa, podendo ou não ser responsável ao sexo atribuído no nascimento. O nome social, por sua vez, é fundamental para o reconhecimento e respeito à dignidade das pessoas transexuais, garantindo sua inclusão e pertencimento na sociedade”.
Com base nas provas dos autos — como o relatório de auditorias internas e os depoimentos das partes e testemunhas — a relatora concluiu que a técnica de laboratório desrespeitou a identidade de gênero do colega ao insistir em tratá-lo como mulher diante dos demais e afirmar que sua identidade masculina seria uma farsa. “Tal conduta nega a existência social do trabalhador e configura uma forma de discriminação”, afirmou.
Santa Catarina ressaltou que “o respeito à identidade de gênero do(a) trabalhador(a) é parte inafastável do dever de respeito que deve permear as relações de trabalho”.
Convenção internacional
Em seu voto, a relatora cita a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, como marco internacional que assegura a eliminação de todas as formas de discriminação no emprego e na ocupação, incluindo aquelas motivadas por identidade de gênero.
Ao analisar o caso, a desembargadora enfatizou que as atitudes do trabalhador afrontam normas nacionais e internacionais específicas à construção de um ambiente laboral inclusivo e respeitoso. Para ela, “tais comportamentos violam os valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana, pilares do Estado Democrático de Direito”.
Justa causa foi proporcional à conduta
A 3ª Turma do TRT-17 entendeu que a conduta do trabalhadora configurou violação ao artigo 482, disposições “b” (mau procedimento) e “h” (ato de indisciplina), da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O colegiado destacou que o Código de Conduta da empresa vedava expressamente práticas discriminatórias e concluiu que, diante da gravidade dos fatos apurados, a dispensa por justa causa foi medida legítima, proporcional e adequada à ruptura do vínculo de emprego.
Processo: 0001450-24.2024.5.17.0006
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) / Foto: Freepik