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O reequilíbrio econômico-financeiro de contratos à luz do IBS e da CBS

Oportunidades e desafios para o reequilíbrio de contratos públicos no novo sistema tributário

Ao instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a Emenda Constitucional 132/2023 redesenhou o sistema tributário impactando contratos públicos e privados. Para lidar com o impacto destas novas exações na equação econômico-financeira dos contratos, a Lei Complementar 214/2025 disciplinou em seu capítulo IV mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro.

Este examina como o regime interage com os instrumentos contratuais vigentes, distinguindo as regras aplicáveis à Administração Pública das que incidem sobre relações privadas, e identificando controvérsias quanto ao alcance, aos métodos e aos limites do restabelecimento de equilíbrio decorrente da nova carga tributária.

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Arcabouço legal: escopo das normas da reforma

No início do referido capítulo IV, o artigo 373 da LC 214/2025 estabelece o âmbito de incidência da disciplina recém-instituída, confirmando que os “instrumentos de ajuste” voltam-se a contratos firmados antes da vigência da LC 214/2025. O § 1º estende, excepcionalmente, a disciplina a contratos administrativos cujo procedimento licitatório se iniciou sob o regime jurídico anterior, e o § 2º exclui, de forma expressa, os contratos privados, remetendo-os à legislação específica (Código Civil, Lei de Liberdade Econômica e demais normas setoriais).

Esta diferença de regras é o primeiro ponto de atrito: se os contratos públicos são submetidos a um regime cogente de reequilíbrio, fundados em “fato do príncipe” (evento de caráter geral que impacta nos custos relacionados ao contrato administrativo), os contratos privados permanecem sujeitos ao princípio da autonomia da vontade e à teoria da imprevisão prevista nos artigos 317 e 478 do Código Civil, com aplicação subsidiária da boa-fé objetiva.

O artigo 374 da LC 214/2025 impõe, para a Administração Pública direta e indireta em todos os níveis federativos, a obrigação de “ajustar” contratos vigentes, inclusive concessões, sempre que comprovado desequilíbrio decorrente da instituição do IBS e da CBS. A rigor, embora a reforma tributária seja um caso claro de fato do príncipe (art. 124, II, “d”, da Lei 14.133/2021 e art. 9º, § 3º, da Lei 8.987/1995), a regra veiculada pela LC 214/2025 traz maior segurança ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos.

Para mensurar a “carga tributária efetiva”, o artigo 374 indica quatro vetores: direito a créditos de IBS/CBS; repasse econômico do tributo; os ajustes gradativos durante o período de transição de oito anos previsto no ADCT; e a perda de benefícios fiscais relacionados a tributos extintos.

Os artigos 375 e 376 da LC 214/2025 disciplinam, respectivamente, a revisão de ofício — quando a mudança tributária favorece a contratada — e o pleito de reequilíbrio formulado pela própria contratada, especialmente durante a transição (ADCT, artigos 125 a 133). O prazo de 90 dias para decisão definitiva, prorrogável uma única vez, objetiva impedir a assimetria temporal entre a saída de caixa do contratado e o reconhecimento administrativo do direito.

Por fim, o artigo 377 determina a aplicação subsidiária do regime jurídico do contrato —Lei 14.133/2021, Lei 8.987/1995, Lei 11.079/2004 e legislação setorial — quando o Capítulo específico for omisso.

Questões controversas

A) Alcance da exclusão dos contratos privados (artigo 373, § 2º).

Embora a norma afirme que não se aplica aos contratos privados, o impacto macroeconômico da reforma tributária reaviva o debate sobre a aplicação analógica de princípios constitucionais, sobretudo o da isonomia. Não é fora de propósito o entendimento de que diante da magnitude da reconfiguração tributária, a revisão privada deveria dialogar com a metodologia delineada nos artigos 374 e 376 para evitar disparidades entre agentes que atuam em cadeias produtivas integradas com o setor público, prestigiando a boa-fé objetiva e a função social do contrato.

B) Colisão com matrizes de risco previamente pactuadas (artigo 374, § 2º): A questão do impacto efetivo

O dispositivo proclama a inaplicabilidade de cláusulas que imputem à contratada o ônus integral de tributos supervenientes, se a carga tributária efetiva aumentar. Na prática, seriam poucos contratos que alocariam o risco de aumento de tributos incidentes sobre o contrato ao sujeito privado; mais especificamente, seriam alguns poucos contratos de parceria público-privada, por conta da autorização contida no art. 5º, III, da Lei 11.079/2004. Nos contratos administrativos em geral, isso não ocorreria de qualquer forma.

Nessas situações, o grande problema está menos no reconhecimento do direito ao reequilíbrio e sim na forma de comprovação do “efetivo” (art. 374, caput, da LC 214/2025) impacto da reforma sobre os contratos administrativos. E isso nos leva à questão da metodologia de mensuração.

C) Metodologia de mensuração do desequilíbrio.

No cotidiano dos contratos administrativos, tem sido exigida comprovação de que o aumento de dado tributo levou, em termos causais, a um aumento do custo à execução de dado contrato administrativo. Aumentos nos tributos relacionados ao preço dos insumos para a execução dos contratos administrativos não recaiam no conceito de “fato do príncipe”. Mais do que isso: deveriam ser objeto de negociação entre contratado da Administração e seu fornecedor, sem repercussões no âmbito do contrato administrativo.

Contudo, estamos diante de uma situação mais delicada. Afinal, é certo que não apenas o tributo incidente sobre aquele contrato administrativo será impactado, mas toda a cadeia produtiva. A mensuração do “encargo tributário efetivo” exigirá, portanto, projeções complexas: apuração de créditos de IBS/CBS, análise de elasticidade-preço e identificação de repasses a terceiros. A inexistência de regulamentação uniforme pode suscitar interpretações divergentes entre órgãos de controle.

Talvez, a previsão do § 2º do art. 374 exista justamente para fundamentar essa revisão global dos custos do contrato por conta da reforma tributária. Afinal, o usual é que as matrizes de risco atribuam o incremento de custos (seja qual for a razão) aos contratados.

D) Revisão de ofício e controle de legalidade (artigo 375)

Embora o art. 375 preveja que Administração possa reduzir a remuneração quando houver diminuição da carga tributária, em termos práticos, vislumbra-se aplicação restrita dessa hipótese. Isso porque, parece improvável que a Administração consiga, unilateralmente, apurar o impacto tributário gerado pela reforma tributária para concluir que teria havido redução da carga incidente sobre o contrato administrativo.

E) Procedimento prioritário, princípio da eficiência e reequilíbrio cautelar

O prazo de 90 dias (prorrogável uma única vez por igual período) é visto como avanço, mas levanta dúvida sobre sua exequibilidade em contratos de grande complexidade, com as concessões de serviço público. A tendência, especialmente nas concessões, consiste no deferimento de reequilíbrios cautelares (art. 376, § 4º), a fim de não gerar problemas de caixa das concessionárias. Nos demais contratos administrativos, a mesma medida deveria ser adotada.

F) Extinção de incentivos fiscais

A retirada de benefícios relacionados a tributos extintos (ex: créditos presumidos, REIDI) é efeito colateral da reforma, mas pode envolver discussões sobre direito adquirido e pacta sunt servanda. A maioria da doutrina afasta direito adquirido a regime jurídico tributário, mas reconhece que, no plano contratual, a Administração assumiu obrigações remuneratórias lastreadas em expectativas. Assim, a exclusão de incentivos pode ser tratada como álea econômica extraordinária, legitimando reequilíbrio mesmo quando a carga nominal não se altera.

Conclusão

Os artigos 373 a 377 da LC 214/2025 inauguram um microssistema de reequilíbrio econômico-fiscal especificamente voltado a neutralizar os efeitos da instituição do IBS e da CBS sobre contratos anteriores.

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Para os contratos públicos, o regime é cogente: impõe à Administração o dever de revisar valores quando a tributação majorar custos, e de reduzir remuneração quando houver diminuição, assegurando procedimento célere e metodologias definidas. A grande questão está na definição de uma metodologia para avaliação da carga tributária efetiva. Em contratos complexos, a tendência é que sejam deferidos pedidos de reequilíbrio cautelar.

Nos contratos privados, resguardou a autonomia da vontade das partes, sujeitando-os à legislação civil. Ainda assim, a repercussão sistêmica da reforma e a tendência jurisprudencial de privilegiar a função social dos contratos sugerem que os parâmetros técnicos da LC 214/2025 podem servir como referência interpretativa em disputas privadas.

Em síntese, o Capítulo IV da LC 214/2025 representa avanço normativo ao prover diretrizes claras e instrumentos concretos de reequilíbrio, mas seu sucesso dependerá da harmonização interpretativa entre os regimes de direito público e direito privado e da capacidade de gerir, com transparência e tecnicidade, as inevitáveis tensões entre continuidade contratual, estabilidade regulatória e sustentabilidade fiscal.

Fonte: JOTA (28/08/2025) / Foto: Unsplash