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A vida útil dos TACs: precedentes podem afetar obrigações de trato sucessivo

TAC não é um dogma, mas sim um instrumento de tutela de interesses coletivos aderente ao ordenamento

A 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em decisão recente, reconheceu a inexigibilidade de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que proibia a terceirização de atividade-fim, por incompatibilidade superveniente com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 725 (ADPF 324 e RE 958.252).

Em síntese, partiu-se do dado objetivo: desde 30/08/2018, a tese vinculante do Supremo Tribunal Federal assentou a licitude irrestrita da terceirização, em atividade-meio ou fim, com manutenção da responsabilidade subsidiária da tomadora.

Se o título executivo extrajudicial (TAC) impõe obrigação que colide com essa orientação, não se pode exigir seu cumprimento para fatos e efeitos posteriores, sob pena de violar o princípio da legalidade (art. 5º, II, da Constituição). No caso, o TST ainda realçou que a pretensão executiva tinha nítido caráter inibitório para o futuro, o que reforça a inutilidade de manter uma proibição já incompatível com a autoridade do precedente qualificado.

O precedente em questão abre caminho para uma revisão madura de compromissos firmados em outro contexto normativo ou jurisprudencial. Por um lado, a Corte Trabalhista reconhece que não há necessidade de ação revisional autônoma para afastar título incompatível: a inexigibilidade pode ser arguida incidentalmente, na própria execução, como defesa de executado, quando demonstrada a superveniência de orientação vinculante em sentido oposto. Por outro, deixa claro que a modulação dos efeitos do STF protege situações definitivamente consolidadas até 30/08/2018.

Logo, não se trata de apagar o passado, mas de impedir que se perpetuem restrições inválidas para o futuro. A mensagem às empresas é direta: TACs celebrados sob a égide da antiga Súmula 331, que vedava terceirização em atividade-fim, tornaram-se materialmente inexigíveis naquilo que contraria o Tema 725, quando projetados para comportamentos futuros.

Esse raciocínio, por analogia, pode alcançar outros compromissos de não fazer ou de fazer contínuo, desde que a obrigação conflite com entendimento posterior dotado de força vinculante e que não haja pretensão limitada a período anterior à virada jurisprudencial. A oportunidade é evidente. Muitas companhias mantêm TACs antigos com cláusulas que, hoje, colidem com precedentes qualificados e não apenas sobre terceirização, mas também, potencialmente, acerca de temas em que STF ou TST tenham fixado teses posteriores.

Do ponto de vista processual, o precedente também ensina. A discussão sobre recorribilidade imediata, superando, no caso concreto, o óbice da Súmula 214, do TST, evidencia que decisões que emprestam definitividade à exigibilidade de título extrajudicial podem ser revistas de pronto, sobretudo quando impõem cumprimento de obrigação incompatível com precedente vinculante.

E não é detalhe técnico: contestações oportunas, bem instruídas, evitam a execução de comandos que a ordem jurídica já não consente. A chave está em demonstrar, com precisão, a colisão entre a cláusula executada e a tese posterior, contextualizando a natureza da obrigação (se de trato sucessivo, projetada ao futuro) e a inexistência de pretensão restrita ao período anterior à tese.

Em termos materiais, se extrai que um TAC não é um dogma, mas sim um instrumento de tutela de interesses coletivos que deve permanecer aderente ao ordenamento. Se a jurisprudência migra em direção oposta, perpetuar a obrigação antiga violaria o próprio fundamento de legitimidade do compromisso, que é ajustar condutas às “exigências legais”.

Nas relações entre Ministério Público do Trabalho (MPT) e empresas, isso não significa “vale-tudo” empresarial, mas sim a necessidade de requalificar os compromissos: onde havia proibição ampla de terceirização, pode haver, doravante, cláusulas de compliance que reforcem deveres de fiscalização, saúde e segurança, igualdade de tratamento e combate a fraudes, todos compatíveis com o Tema 725 e a legislação superveniente.

O alcance vai muito além do tema em destaque: em um sistema orientado por precedentes, títulos executivos ancorados em compreensão superada não subsistem para reger condutas futuras. Assim como os precedentes passam pelo chamado overrruling, ou seja, pela superação do entendimento por parte das próprias cortes, também deve se comportar de tal forma o ajuste firmado junto ao MPT que se pauta em lei ou precedente superado.

Para o setor empresarial, exige-se uma governança jurídica contínua e estruturada, com monitoramento sistemático de precedentes vinculantes, revisão periódica de TACs e demais obrigações firmadas sob marcos normativos pretéritos e acionamento tempestivo das vias judiciais adequadas para reconhecer a inexigibilidade, preservando, simultaneamente, os espaços legítimos de tutela coletiva que se mantenham compatíveis com a orientação atual.

Em um ambiente de uniformização crescente, alinhar compromissos à jurisprudência não é um expediente de contingência, mas, um dever de conformidade, legalidade, boa-fé institucional e, sobretudo, um imperativo de gestão de riscos que diferencia organizações com governança madura.

Fonte: www.jota.com.br – 02/12/25 / Foto: